You are on page 1of 11

A Justificação Política dos Direitos Humanos

Bruno Konder Comparato [1]

A justificação política dos direitos humanos

A revolução científica introduzida por Képler, Galileu e Newton, no século XVII, teve
conseqüências irreversíveis e influenciou decisivamente os pensadores iluministas do século
XVIII. Com efeito, se até então o método filosófico era identificado ao conceito de sistema,
desenvolvido a partir de um axioma inicial do qual são logicamente deduzidas uma série de
proposições, com o surgimento da ciência natural moderna ele passa a depender da experiência
e da observação sistemática da realidade. Ao espírito de sistema é substituído o espírito
sistemático. No campo da política e do direito, torna-se necessário, portanto, retrabalhar o
conceito de direito natural, tão caro aos escolásticos e que podemos encontrar até entre os
antigos.

O primeiro a apontar, para o direito natural, as conseqüências dessa transformação radical foi
Thomas Hobbes. A solução por ele proposta é o estabelecimento de um contrato por meio do
qual os indivíduos se colocam sob a proteção de um soberano, que tem por missão principal
manter a paz, nem que seja pela força. Mais tarde, Jean-Jacques Rousseau reformulou a idéia de
contrato de Hobbes, de modo a fazer com que os próprios cidadãos reunidos constituíssem o
soberano. Tornou-se então possível, para Immanuel Kant, definir a autonomia como princípio
da moralidade. Pode-se afirmar que estes três autores lançaram as bases do que veio a ser a
teoria dos direitos humanos. A partir desse ponto de vista é que tentaremos, portanto, expor o
pensamento de Hobbes, Rousseau e Kant.

Hobbes e a igualdade

“Then for physics, that is, the knowledge of the subordinate and secondary causes of natural
events; they render none at all, but empty words. If you desire to know why some kind of bodies
sink naturally downwards toward the earth, and others go naturally from it; the Schools will tell
you out of Aristotle, that the bodies that sink downwards, are heavy; and that this heaviness is it
that causes them to descend: but if you ask what they mean by heaviness, they will define it to
be an endeavour to go to the centre of the earth: so that the cause why things sink downward, is
an endeavour to be below: which is as much as to say, that bodies descend, or ascend, because
they do. Or they will tell you the centre of the earth is the place of rest, and conservation for
heavy things; and therefore they endeavour to be there: as if stones and metals had a desire, or
could discern the place they would be at, as man does; or loved rest, as man does not; or that a
piece of glass were less safe in the window, than falling into the street.” T. Hobbes, Leviathan

O pensador inglês Thomas Hobbes se considerava o fundador da ciência política. Faz-se


necessário ressaltar que ele não pretendia, com essa ambição, diminuir a importância de Platão e
de Aristóteles. Hobbes tinha plena consciência, contudo, de ter inaugurado uma nova etapa na
investigação filosófica ao introduzir o método da ciência natural moderna na reflexão sobre o
homem e a vida em sociedade. Em suas obras, ele lança mão com freqüência de analogias
físicas ou mecânicas. Assim, por exemplo, os homens são identificados a corpos em movimento,
a liberdade consiste na ausência de impedimentos ao movimento, e o Leviatã é um corpo
artificial concebido para a proteção e defesa de todos os homens. De acordo com o
entendimento de Hobbes, até então os filósofos políticos se limitaram a imaginar um modelo
ideal de constituição política ou a descrever a organização política das sociedades existentes. O
novo objetivo que ele se propõe a realizar, com a sua filosofia política, é explicar racionalmente
o comportamento humano, de modo a poder prever as conseqüências de determinadas ações e
conceber um arranjo institucional que contenha as iniciativas individuais em um nível aceitável.

Ao conceber a sua filosofia política como uma ciência, Hobbes precisava partir de fatos
concretos. A realidade a sua volta, contudo, era um tanto quanto contur-bada. Conta-se que
Hobbes teria observado, certa vez, que “o medo e ele vieram juntos ao mundo”, porque a sua
mãe teria entrado em trabalho de parto ao ouvir rumores sobre a aproximação da Invencível
Armada, em 1588. [2] Tratava-se da ameaça católica que vinha da Espanha. Ao longo de todo o
século XVII, aliás, observou-se um período de convulsão social na Inglaterra, que se encontrava
em um estado de guerra civil permanente, causado em grande parte por questões religiosas. Não
se trata de um acaso, portanto, se o medo ocupa uma posição de destaque na obra int electual de
Hobbes. Com efeito, é o medo que está na origem da “guerra de todos contra todos” que este
autor afirma persistir no estado de natureza, da mesma forma que é o medo que motiva os que
se encontram no estado de natureza a contrair uns com os outros um contrato e a estabelecer
uma autoridade para controlá-los e garantir a paz, como é também o medo que os obriga a
obedecer a esta autoridade, uma vez instaurada.

De acordo com a advertência que o autor faz na introdução ao Leviatã, a investigação sobre o
homem e a sua verdadeira natureza deve constituir o ponto de partida de toda análise política,
pois a política só será uma ciência se soubermos como o homem é de fato, e não na ilusão; e só
com a ciência política será possível construirmos Estados que se sustentem, em vez de tornarem
permanente a guerra civil. Ao construir a sua argumentação, Hobbes marca constantemente a
distância que o separa de Aristóteles e da teoria do homem político. No primeiro capítulo de Do
Cidadão, ele não deixa dúvidas ao leitor: “A maior parte daqueles que escreveram alguma coisa
a propósito das repúblicas ou supõe, ou nos pede ou requer que acreditemos que o homem é
uma criatura que nasce apta para a sociedade. Os gregos chamam-no zoon politikon; e sobre este
alicerce eles erigem a doutrina da sociedade civil como se, para se preservar a paz e o governo
da humanidade, nada mais fosse necessário do que os homens concordarem em firmar certas
convenções e condições em comum, que eles próprios chamariam, então, de leis. Axioma este
que, embora acolhido pela maior parte, é contudo sem dúvida falso — um erro que procede de
considerarmos a natureza humana muito superficialmente.” [3] No Leviatã, o ataque é feito com
a mesma veemência: “Pois não existe o finis ultimus (fim último) nem o summum bonum (bem
supremo) de que se fala nos livros dos antigos filósofos morais.” [4] O que está em jogo aqui, é
a fundamentação da teoria do contrato. Para que a sua demonstração seja convincente, Hobbes
começa por destruir o pressuposto aristotélico de que o homem é naturalmente sociável. No seu
ponto de vista, vale o contrário: no estado de natureza todos estão submetidos a uma guerra de
todos contra todos, e a sociedade é artificialmente formada na esperança de que os ímpetos
belicosos sejam controlados. À teoria do homem como animal político inserido numa
comunidade, Hobbes substitui a teoria do homem egoísta dominado pelas paixões.

Faz-se necessário ressaltar, contudo, que Hobbes parte de um princípio inegavelmente


igualitário, pois no estado de natureza todos estão submetidos às mesmas condições. “A
natureza fez os homens tão iguais,” começa ele a dizer no capítulo XIII do Leviatã, “quanto às
faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem
manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim,
quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é
suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer
benefício a que outro não possa igualmente aspirar.” [5] Uma grande distância foi percorrida,
aqui, no que diz respeito ao reconhecimento da igualdade fundamental entre os seres humanos.
Isto fica patente se compararmos estas poucas linhas com os trechos da Política em que
Aristóteles justifica a escravidão. No Livro I, ao final do capítulo 5, lê-se, por exemplo: “É
portanto manifesto que há casos em que por natureza alguns homens são livres e outros
escravos, e que para estes permanecer na escravidão é ao mesmo tempo adequado e justo.” [6]
Com efeito, para o filósofo grego, a ordem social espelha uma hierarquia natural na qual os
melhores são separados dos piores: os aristocratas dos seus inferiores, os homens das mulheres,
os adultos das crianças, os homens livres dos escravos, e os gregos dos bárbaros. Hobbes rejeita
essa visão de mundo que, até então, tinha sido utilizada para justificar o governo despótico. [7]

A igualdade existente no estado de natureza tem, contudo, para Hobbes, conseqüências nefastas.
De acordo com a sua argumentação, a rivalidade inata dos homens, quando aliada ao
reconhecimento da igualdade das capacidades de cada um, leva a uma “igualdade na esperança
de atingir nossos fins”. [8] A ausência de um poder coercitivo, capaz de atemorizar aqueles que
se envolvem em disputas, por sua vez, é que acarreta a guerra de todos contra todos. [9] Em
seguida, Hobbes afirma que as Leis da Natureza, como por exemplo o desejo de paz e a garantia
da liberdade, vão conduzir os homens a formar um contrato. Como o direito natural é prejudicial
aos homens, pois leva à guerra, eles vão se submeter a um direito civil que garantirá a paz.
Dizer que no estado de natureza todos têm direito a tudo, significa dizer que ninguém tem
direito a nada, pois não há como garantir esse direito. Podemos dizer que, nesse momento,
acaba o direito natural e é instituído o direito positivo. A oitava regra que Hobbes atribui ao
soberano é decisiva, em caso de controvérsia ele se torna o árbitro: “Em oitavo lugar, pertence
ao poder soberano a autoridade judicial, quer dizer, o direito de ouvir e julgar todas as
controvérsias que possam surgir com respeito às leis, tanto civis quanto naturais, ou com
respeito aos fatos.” [10] Com a formação do pacto, tanto o direito, quanto a justiça passam a ser
concessões do soberano, o que deriva da própria fórmula do pacto, que funciona como se cada
homem dissesse aos outros homens: “Cedo e transfiro o meu direito de me governar a mim
mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires para ele
o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações.” [11] Trata-se de uma
abstração elaborada racionalmente. Essa construção artificial tem por objetivo legitimar o poder
do soberano.

Apesar de conceder um papel privilegiado às paixões como motores das ações humanas,
Hobbes não descarta a razão na articulação dessas ações. Se, no estado de natureza, os homens
guerreiam entre si não é somente porque eles se entregam às suas paixões, mas porque,
racionalmente, eles não poderiam agir de outra forma. Como diz Raymond Polin, “o cálculo
racional que guia os indivíduos no estado de natureza, que é o estado de guerra, não é errôneo,
não mais do que aquele que preconiza o estado civil, que é o estado de paz. As forças presentes
permanecem idênticas quanto à sua grandeza e distribuição. São as condições que mudaram e os
objetivos que foram definidos de maneira menos confusa.” [12] No ponto de vista de Hobbes, a
insegurança causada pelo estado de guerra de todos contra todos chega a níveis tais que é mais
seguro exigir uma força disciplinadora. O medo atiça a razão e gera o cálculo de qual é a melhor
maneira de sair do estado de natureza.

Dessa forma, o soberano é aceito como poder supremo porque vai representar a unidade. No
estado de natureza não é possível atingir essa unidade porque nele está incluída a incerteza.
Hobbes expulsa a contingência para fora do Estado, garantindo assim uma paz interna. Faz-se
necessário ressaltar, contudo, que entre os Estados permanece a guerra de todos contra todos.
Não se trata ainda, portanto, de um desejo de paz universal, mas apenas de uma garantia de
ausência de conflitos internos.

Não resta dúvidas, tampouco, de que o poder do soberano é absoluto. O Leviatã comanda até as
opiniões dos súditos: “Pois as ações dos homens derivam de suas opiniões, e é no bom governo
das opiniões que consiste o bom governo das ações dos homens, tendo em vista a paz e a
concórdia entre eles.” [13] O único direito que permanece em poder dos súditos é o direito de se
revoltar pessoalmente, e não em grupo, contra o soberano para defender a própria vida. Seria
precipitado enxergar aqui, contudo, a garantia do direito universal à vida, pois o soberano
continua com o direito de matar os súditos. [14]

É interessante notar que alguns comentadores, como Alan Ryan, enxergam vários pontos em
comum entre o modelo construído por Hobbes e um sistema de defesa dos direitos humanos.
“Um soberano hobbesiano que observa essas exigências (as condutas que a lei de natureza
proíbe ou estabelece) avançará significativamente no sentido de reconhecer tudo o que os
defensores dos direitos humanos esperam dos governos, com uma única exceção – conceder aos
súditos o direito à participação no governo (...) Talvez não seja uma surpresa se as exigências da
lei de natureza coincidem com as exigências da maioria das teorias de direitos humanos; mas
vale a pena ressaltar que elas proíbem castigos desproporcionais, proíbem a criminalização da
conduta ex post facto, proíbem o julgamento em causa própria, e muito mais.” [15] Ao nosso
ver, trata-se de um ponto de vista que confia excessivamente na boa vontade do soberano. Em
outras palavras, é possível aceitar que o Estado criado por Hobbes represente um grande
potencial para promover os direitos humanos, mas não há nenhum modo de garantir que isso de
fato aconteça. Trata-se muito mais de uma possibilidade do que de uma realidade. A exclusão de
qualquer instância de participação dos súditos no governo constitui, por sua vez, uma séria
limitação pois não permite que estes influenciem as decisões do soberano. Talvez a explicação
para esta recusa de Hobbes em conceder aos súditos uma maior participação política, apesar de
reconhecer que não há desigualdade formal entre eles, esteja na divisão que ele enxergava entre
a ética e a política. Esta separação pode ser observada na classificação que Hobbes faz das
ciências, no capítulo IX do Leviatã: de um lado está o estudo dos corpos naturais, do qual faz
parte a ética, do outro lado está o estudo dos corpos políticos, relacionado com a instituição do
Estado e os deveres e direitos dos súditos. Em Anti-White ele faz uma descrição mais
pormenorizada dessa concepção: “uma parte da filosofia diz respeito às paixões, os costumes
(mores) e os objetivos ou intenções dos homens, trata-se da ética ou filosofia moral. Outra diz
respeito à sociedade humana e discute as leis civis, a justiça e todas as outras virtudes; trata-se
da política ou filosofia civil.” [16] Essas duas realidades, a exclusão dos súditos da decisão
política e a separação entre a ética e a política, é que vão comprometer as idéias de Hobbes aos
olhos de Rousseau, como veremos a seguir.

Rousseau e a comunidade

“Il faut étudier la société par les hommes, et les hommes par la société: ceux qui voudront traiter
séparément la politique et la morale n’entendront jamais rien à aucune des deux.” Jean-Jacques
Rousseau, Émile

O pensamento de Rousseau é categórico: se os princípios nos quais se apoiaram os teóricos do


passado justificam a servidão, eles são falsos e é preciso refutá-los. Dois autores políticos que
estavam muito em voga na época são Hobbes e Bodin. Rousseau trata portanto de reformular os
conceitos centrais das reflexões de ambos, a idéia de contrato e a noção de soberania, a partir de
uma nova base. Para ele, os princípios verdadeiros devem estar comprometidos com a liberdade,
e esta só pode se realizar na política. Como tudo está ligado à política, as instituições são
fundamentais, pois são elas que formam os cidadãos. [17] Esse espírito formador, que anima
toda a obra de Rousseau, é responsável por seu grande sucesso entre os ideólogos da Revolução
Francesa. Assim, de acordo com o depoimento de um contemporâneo da época: “É a revolução
que nos explicou o Contrato Social.” [18]

Nem é preciso dizer que, por ter discordado das idéias políticas do seu tempo e ter enfrentado
vários representantes da “República das Letras”, Rousseau se envolveu em inúmeras polêmicas.
Está aí um ponto que o aproxima de Hobbes. No tempo de Hobbes, os seguidores da sua
doutrina eram considerados subversivos, tanto pelo poder monárquico da época, quanto pelos
liberais do partido whig. João Paulo Monteiro conta que, após o triunfo da revolução de 1688,
“vemos o grande Isaac Newton, presidente da Royal Society, escrever em 1693 a John Locke
uma carta em que se desculpa de o ter ‘confundido com um hobbista’ em tom revelador de que
tanto Newton como Locke atribuíam a tal acusação a maior gravidade política.” [19] De uma
maneira similar, podemos constatar que há um grande abismo entre Rousseau e os líderes
intelec-tuais do Iluminismo francês. Em uma carta escrita logo após o seu rompimento com
Rousseau, Diderot se queixa que “este homem me deixa intranqüilo; em sua presença sinto-me
como se uma alma amaldiçoada estivesse do meu lado (...) Não quero voltar a vê-lo nunca mais;
ele seria capaz de me fazer acreditar no inferno e no diabo.” [20]

Uma razão avançada com freqüência para explicar a polêmica que causou a obra de Rousseau
tem sido a inconsistência das suas idéias. Com efeito, desde o século XVIII, várias contradições
têm sido apontadas, tanto entre a sua vida e a sua obra, quanto entre aspectos contraditórios das
suas reflexões. Não se pode esquecer, contudo, que Rousseau pretendia instituir o novo, de
modo que não é possível entendê-lo a partir das categorias antigas, que ele critica. O seu
principal alvo de destruição é a obra de Hobbes. Dela sobram apenas alguns conceitos, como o
de contrato social e o de soberania, porém inteiramente reformulados. Se Hobbes se considerava
o fundador da ciência política, o que Rousseau reivindica para si próprio é ter instituído os
princípios do direito político. No Emílio, Rousseau clamava pela necessidade de se criar o
direito político. [21] Já na conclusão a Do Contrato Social, ele considera tê-lo feito: “Depois de
haver estabelecido os verdadeiros princípios do direito político e ter-me esforçado por fundar o
Estado em sua base, ainda restaria ampará-lo por suas relações externas (...) ” [22]

Essa idéia de fundação é importante, pois remete à atribuição principal que Rousseau confere ao
Estado: formar o cidadão. Resolver a questão política fundamental, que é a de encontrar a
melhor forma de governo possível, se reduz então a responder a esta: “qual é a natureza do
governo apropriado para formar o povo mais virtuoso, esclarecido e sábio, em resumo, tão
perfeito quanto possível no sentido mais elevado da palavra?” [23] Se a ação formadora for
bem sucedida, o homem natural será transformado em cidadão, o estado de natureza será
substituído pelo estado civil, os direitos naturais serão preteridos pelos direitos do cidadão
acrescidos dos deveres do súdito, a vontade particular será anulada pela vontade geral e, por
fim, a posse dará lugar à propriedade. Faz-se necessário, então, delimitar com precisão cada
uma dessas categorias. Somente dessa maneira poderemos eliminar muitos dos mal-entendidos
que costumam cercar as interpretações dos textos de Rousseau, pois: “para que se afirme o
estado civil, as forças naturais do homem, inclusive sua liberdade natural, precisam ser
aniquiladas e mortas. Em outras palavras, para que o homem civil, o cidadão, se afirme com sua
liberdade moral e convencional, será necessário eliminar de si a liberdade natural. Isso equivale
a dizer que, para a constituição do espaço público, será necessário eliminar a liberdade natural,
característica do homem na sua privacidade do estado de natureza, no seu isolamento.
Conseqüentemente, os distúrbios em sociedade advirão sobretudo da não-distinção entre essas
duas liberdades.” [24] De acordo com esse raciocínio, quem vivesse no estado civil querendo
reivindicar a liberdade natural, isto é, como se estivesse vivendo em estado de natureza, seria
um inimigo da comunidade política. Ao se tornar cidadão, o homem natural perde a liberdade
natural que possuía antes, mas ganha a liberdade civil que corresponde à parte que lhe cabe da
liberdade do corpo coletivo do qual faz parte. Reinvindicar direitos, para Rousseau, adquire
assim um significado apenas se esses direitos não prejudicarem a constituição da sociedade.
Reivindicar o direito fundamental da liberdade, por exemplo, não pode ser a reivindicação de
uma volta ao estado de natureza. Uma vez que o cidadão ingressou no estado civil, ele só pode
reivindicar a parte que lhe cabe na associação, isto é, sua liberdade convencional e moral, de
acordo com as cláusulas estabelecidas no contrato social. [25]

Trata-se, portanto, de operar uma transformação radical no indivíduo, que de um ser natural e
independente deve se tornar um ser relativo, que se considere como parte de um todo. O agente
principal dessa transformação, para Rousseau, deve ser o legislador. Quando Rousseau afirma
que o legislador deveria ser um deus [26] ele está, na verdade, se utilizando de um recurso
estilístico para chamar a atenção do leitor para dois aspectos que ele considera fundamentais: a
crença na perfectibilidade do homem e o valor pedagógico que ele atribui ao exemplo. [27] A
ação pedagógica que o legislador deverá operar no indivíduo consiste, portanto, em anular o
homem natural e ao mesmo tempo formar o homem civil. No campo jurídico, a transformação
consiste na eliminação da posse, que é substituída pela propriedade. Os proprietários devem ser
considerados, nos ensina Rousseau, como depositários do bem público. Se há uma aparente
contradição, nesse ponto específico, entre o Discurso sobre a Desigualdade e o Contrato Social,
é porque no primeiro Rousseau se refere a uma situação de fato, na qual a lei legitima a
desigualdade, enquanto que no segundo ele sugere a implantação de uma situação de direito a
partir de um processo de alienação total, que faz de cada proprietário um depositário do bem
público. Faz-se necessário notar, junto com Milton Meira do Nascimento, que “a expressão
‘depositário do bem público’, para designar o proprietário, assinala, portanto, um limite para a
sua ação. Ao alienar-se inteiramente da comunidade, o indivíduo transfere tudo o que tem para a
comunidade e recebe em troca o título de proprietário, mas ao soberano, em última instância,
cabe o direito maior sobre a vida e os bens de cada associado. Essas distinções são também
importantes para demarcar a ação da força, do direito do mais forte e o do primeiro ocupante
apenas para o estado de natureza.” [28] Nem é preciso dizer que essa noção de proprietário
como um depositário do bem público influenciou de maneira decisiva os teóricos dos direitos
humanos quando estes trataram de delimitar o conteúdo dos direitos econômicos e sociais.

A formação não será completa, contudo, se o legislador não lograr transformar a vontade
particular em vontade geral. Com efeito, nada do que precede terá efeito, ensina Rousseau, se o
interesse particular não for substituído pelo interesse geral. A ação pedagógica deve ser exercida
até que a vontade particular, que é a vontade do homem no estado de natureza, seja anulada e
em seu lugar seja instituída a vontade geral, que funciona como a vontade do corpo moral e
político que é o Estado. Após a adesão do cidadão ao pacto social, a sua vontade particular
somente pode incidir sobre a parcela que lhe cabe da sua participação na comunidade política. A
partir desse ponto de vista, “reivindicar direitos individuais, no Estado, assume, portanto, no
pensamento político de Rousseau, uma conotação muito precisa. Não é, certamente, a
reivindicação de direitos inalienáveis de um homem natural, absoluto, independente, mas de um
indivíduo que se reconhece como parte de um ser coletivo. E se quiséssemos que os homens, se
se pusessem a buscar o seu interesse particular, um dia chegassem a constituir o interesse
público, seríamos lembrados ainda por uma passagem do Manuscrito de Genebra: ‘É falso que,
no estado de independência, a razão nos leve a concorrer para o bem-comum visando ao nosso
próprio interesse. Em lugar do interesse particular aliar-se ao bem geral, na ordem natural das
coisas, ambos se excluem mutuamente.’ ” [29] O ato de pertencer à comunidade política é,
portanto, indissociável da vontade geral que, por sua vez, é a própria expressão da soberania. A
soberania não se situa, assim, acima dos cidadãos, como na teoria de Hobbes, mas é constituída
pela reunião de todos os cidadãos num só corpo. A fórmula do pacto imaginado por Rousseau
[30] é bem diferente da fórmula do pacto de Hobbes. Com efeito, no caso de Hobbes, os súditos
fazem um pacto entre eles de forma a conceder todos os poderes a um soberano que lhes é
exterior, e que garantirá a ordem e a paz. Os súditos não influenciam nas decisões do governo e
têm liberdade para interagir uns com os outros apenas na medida que o soberano o permitir.
Essa solução não satisfaz Rousseau, que afirma a participação como princípio fundamental e
formador do pacto por ele imaginado. Trata-se de um pacto entre os cidadãos e o governo, no
qual ambos se reafirmam constantemente por meio da vontade geral. A política assume, assim,
aos olhos de Rousseau, uma tarefa ética. Esse caráter revolucionário da vontade geral é,
possivelmente, o que chamou a atenção de Kant, como veremos a seguir.

Kant e a universalidade

“La première impression qu’un lecteur qui ne lit pas seulement par vanité et pour passer le
temps reçoit des écrits de Jean-Jacques Rousseau, c’est qu’il se trouve devant une rare
pénétration d’esprit, un noble élan de génie et une âme toute pleine de sensibilité, à un degré
que peut-être jamais aucun écrivain, en quelque temps et en quelque pays que ce soit, ne peut
avoir possédé ensemble de pareils dons.” I. Kant, Remarques touchant les observations sur le
sentiment du beau et du sublime [31]

Os biógrafos de Kant contam que o filósofo deixou de realizar o seu passeio vespertino, do qual
diz-se também que era possível ajustar o relógio pela precisão com que este acontecia, apenas
duas vezes na vida: por ocasião da publicação do Emílio, em 1762, e quando do anúncio da
Revolução Francesa. [32] Parece-nos fundamental, portanto, tentar identificar qual foi a
influência que a obra de Rousseau exerceu no pensamento do filósofo alemão.

Mesmo que não houvesse anedotas para testemunhar da importância de Rousseau para Kant,
vários trechos em que o filósofo alemão transcreve quase que textualmente os escritos do
pensador genebrino consistiriam numa prova definitiva. Em outros momentos, Kant reescreve
as idéias de Rousseau à sua maneira. Em Para a paz perpétua, por exemplo, Kant retoma o
conceito de vontade geral ao dizer que uma boa organização para o Estado pode ser obtida se
for concertada de tal modo que “as energias egoístas dos homens se oponham umas às outras,
cada uma neutralizando ou eliminando assim os efeitos destrutivos do resto (...) E no que diz
respeito à razão (...) o resultado é o mesmo como se as tendências egoístas do homem fossem
inexistentes, de modo que o homem, mesmo que não seja moralmente bom em seu íntimo, é
compelido, não obstante, a ser um bom cidadão.” [33] Kant não se contenta, contudo, em
retomar o conceito de vontade geral da maneira como Rousseau o formulou. Ele vai além e
radicaliza a noção de vontade geral trazendo-a para o íntimo dos homens. Trata-se de um
processo de internalização. Provavelmente, Kant falaria, de maneira mais adequada, em
autonomização do indivíduo.

O que torna a abordagem de Kant interessante é que, a partir de uma construção racional, ele
elabora princípios morais que, não somente são válidos para todos os seres humanos, como
também podem ser racionalmente deduzidos e demonstrados por cada um de nós. O problema
fundamental que se coloca para Kant é a unificação entre a natureza e a moral, entre o mundo
físico e o sentimento ético. [34] Ao ser relacionado com a política, este problema aponta
necessariamente para a formulação de um conceito de direitos humanos. “Sou eu mesmo por
inclinação,” confirma Kant, “um caçador da verdade. Sinto-me consumido por uma sede de
conhecimento e um inquieto desejo de avançar em direção a ele, da mesma forma que fico
satisfeito com cada passo realizado. Houve um tempo em que acreditei que apenas isto pudesse
constituir a honra da humanidade, e desprezei o homem comum que não conhece nada.
Rousseau colocou-me no caminho certo. Esta pretensa superioridade esvaneceu-se e aprendi a
respeitar a humanidade. Eu deveria me considerar bem mais inútil do que o trabalhador comum
se não acreditasse que uma única consideração vale por todas as outras: estabelecer os direitos
do homem.” [35] Para elaborar a sua definição do contrato social, que ele chama de contrato
originário, Kant retoma, quase que termo por termo, as idéias de Rousseau: “O ato pelo qual se
constitui a si mesmo num Estado, propriamente porém apenas a idéia deste ato, só ela
permitindo pensar a sua legitimidade, é o contrato originário, segundo o qual todos (omnes et
singuli) entregam ao povo sua liberdade exterior, para retomá-la logo como membro de um ser
comum, ou seja, do povo considerado como Estado (universi). Não se pode dizer que o Estado,
o homem no Estado tenha sacrificado uma parte de sua liberdade exterior inata a um fim, mas
que abandonou completamente a liberdade selvagem e sem lei, para reencontrar sua liberdade
plena e não diminuída numa dependência legal, ou seja, num estado jurídico, porque essa
dependência provém de sua própria vontade legisladora.” [36] Como pode-se perceber, Kant
concorda com Rousseau no sentido de que o contrato só é válido se a autonomia de cada parte
contratante for mantida. Dessa forma, a liberdade natural é abandonada em troca da liberdade
civil. A liberdade dos cidadãos adquire, assim, outra dimensão e força, pois a vontade livre se
transforma em legisladora, e cada um unindo-se a todos os outros não estará obedecendo senão
às leis que ele próprio estabeleceu.

A dignidade contida nessa formulação só se realiza plenamente, contudo, quando os princípios


morais são levados em conta na elaboração das leis. Ao introduzir a razão no julgamento das
leis morais, Kant propõe um método simples que permite a qualquer um de nós decidir se uma
determinada atuação é desejável ou se é prejudicial à comunidade. Trata-se do imperativo
categórico, que equivale a um supremo requisito de moralidade. Por oposição aos imperativos
hipotéticos, que se relacionam com os meios, os imperativos categóricos dizem respeito,
unicamente, à consecução de certos fins, impondo-se de forma imediata ao agente. Em
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma que o imperativo categórico é único,
e as duas formulações que propõe evidenciam o seu caráter universal. A primeira formulação do
imperativo categórico se enuncia da seguinte maneira: “Age apenas segundo uma máxima tal
que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” [37] Ao considerar, contudo,
que o homem é o único ser no mundo que se apresenta, aos seus próprios olhos como um fim
em si mesmo, Kant propõe uma segunda formulação do imperativo categórico: “Age de tal
maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” [38] Essa nova
definição do imperativo categórico constitui a base moral da sua doutrina política dos direitos
humanos. Ela representa, também, o princípio supremo de igualdade, da qual se extrai todo o
sistema contemporâneo de direitos humanos. Ao enunciar a necessidade da dignidade como um
direito de todos, ela proclama que todo e qualquer ser humano é insubstituível.

De acordo com a lógica, o imperativo categórico tal qual formulado por Kant não pode
permanecer restrito a uma comunidade ou a um Estado determinado. Daí o desdobramento
inevitável da sua doutrina na afirmação da necessidade de uma federação de repúblicas, de
caráter universal, e na progressão em direção à paz perpétua. Estavam, assim, delineadas as
características principais do atual sistema legal de direitos humanos.

Conclusão

Por fim, acreditamos ser possível afirmar que o atual sistema dos direitos humanos é, ao mesmo
tempo, hobbesiano, rousseauniano e kantiano. Ele é hobbesiano porque foi Hobbes quem
primeiro aplicou o método científico para provar que não é possível estabelecer diferenças
físicas fundamentais entre os homens, de modo que qualquer justificação da dominação de um
grupo de homens sobre outros com base na superioridade das características inatas dos
primeiros em relação às dos segundos não faz mais sentido. Ele é rousseauniano porque a
característica propositiva e sugestiva dos atuais tratados de direitos humanos tem muito a dever
ao aspecto formador do legislador, que se apresenta como um exemplo para a socieddade, da
maneira como Rousseau a destaca no Contrato Social. Ele é kantiano porque, mesmo que todos
os Estados do mundo se unam em uma federação de repúblicas, como imagina Kant, devido à
impossibilidade de estabelecer uma força supranacional que obrigue a todos que observem os
tratados internacionais, a efetiva realização e vivência dos direitos humanos só pode se realizar
se as regras morais forem internalizadas por cada ser humano, de modo que a humanidade e
qualquer pessoa sejam sempre tratadas ao mesmo tempo como um fim e jamais simplesmente
como um meio.

Bibliografia

ARISTOTE. La Politique. Paris, Vrin, 1995.

BEISER, F.C. “Kant’s intellectual development: 1746-1781”. In: GUYER, P. The Cambridge
Companion to Kant. Cambridge, Cambridge University Press, 1997.

CASSIRER, E. A Questão Jean-Jacques Rousseau. São Paulo, Unesp, 1997.

DENT, N.J.H. Dicionário Rousseau. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1996.

DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dictionnaire de Philosophie. Paris, Nathan, 1997.

HASSNER, P. “Immanuel Kant”. In: STRAUSS, L. e CROPSEY, J. Historia de la filosofía


política. México, Fondo de Cultura Económica, 1996.

HOBBES, T. Do Cidadão. São Paulo, Martins Fontes, 1998.


HOBBES, T. Leviathan. Oxford, Oxford University Press, 1998.

HOBBES, T. Leviatã. São Paulo, Nova Cultural, 1997.

KANT, E. Critique de la Raison Pratique. Paris, Quadridge, 2000.

KANT, I. Crítica da Razão Prática. Lisboa, Edições 70, 1994.

KANT, E. Fondements de la Métaphysique des Moeurs. Paris, Vrin, 1992.

KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa, Edições 70, 1995.

MONTEIRO, J.P. “A ideologia do Leviatã Hobbesiano”. In: QUIRINO, C.G., VOUGA, C. e


BRANDÃO, G.M. (orgs.). Clássicos do Pensamento Político. São Paulo, Edusp, 1998.

NASCIMENTO, M.M. “Reivindicar direitos segundo Rousseau”. In: QUIRINO, C.G.,


VOUGA, C. e BRANDÃO, G.M. (orgs.). Clássicos do Pensamento Político. São Paulo, Edusp,
1998.

PEZILLO, L. Rousseau et le Contrat Social. Paris, PUF, 2000.

POLIN, R. “O mecanismo social no Estado civil”. In: QUIRINO, C.G. e SADEK, M.T. (orgs.).
O Pensamento Político Clássico. São Paulo, T.A.Queiroz, 1992.

ROUSSEAU, J.J. Du contrat social. Paris, Livre de Poche, 1996.

ROUSSEAU, J.J. Oeuvres complètes. Paris, Pléiade, 1987.

RYAN, A. “Hobbes’s political philosophy”. In: SORELL, T. The Cambridge Companion to


Hobbes. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.

TERRA, R.R. A Política Tensa. São Paulo, Iluminuras, 1995.

TUCK, R. “Hobbes’s moral philosophy”. In: SORELL, T. The Cambridge Companion to


Hobbes. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.

[1] . Engenheiro Naval e Professor de Ciência Política, está terminando o doutorado em Ciência
Política na USP. Publicou "A Ação Política do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra)", em 2002, livro este que está no prelo da Editora L'Harmatan em Paris.

[2] RYAN, A. “Hobbes’s political philosophy”.

[3] HOBBES, T. Do Cidadão, I, I, 2.

[4] HOBBES, T. Leviathan, cap. XI

[5] HOBBES, T. Leviathan, cap. XIII.

[6] ARISTOTE. La Politique, I, 5, 1255a.


[7] Daí o ódio que seus trabalhos suscitavam nos meios monárquicos e absolutistas, valendo-
lhe, inclusive, várias perseguições.

[8] “From this equality of ability, ariseth equality of hope in the attaining of our ends.”
HOBBES, T. Leviathan, cap. XIII.

[9] “Hereby it is manifest, that during the time men live without a common power to keep them
in awe, they are in that condition which is called war; and such a war, as is of every man,
against every man.” HOBBES, T. Leviathan, cap. XIII.

[10] HOBBES, T. Leviathan, cap. XVIII.

[11] HOBBES, T. Leviathan, cap. XVII.

[12] POLIN, R. “O mecanismo social no Estado civil”.

[13] HOBBES, T. Leviathan, cap. XVIII.

[14] HOBBES, T. Leviathan, cap. XXI.

[15] RYAN, A. “Hobbes’s political philosophy”.

[16] Citado em TUCK, R. “Hobbes’s moral philosophy”.

[17] “J’avais vu que tout tenait radicalement à la politique, et que, de quelque façon qu’on s’y
prît, aucun peuple ne serait jamais que ce que la nature de son Gouvernement le ferait être.”
Les Confessions, ROUSSEAU, 1987, I, p. 84.

[18] LAKANAL. Rapport sur Jean-Jacques Rousseau. Setembro 1794. Citado em MAIRET, G.
“Commentaire”. IN ROUSSEAU, 1996.

[19] MONTEIRO, J.P. “A ideologia do Leviatã Hobbesiano”.

[20] CASSIRER, E. A Questão Jean-Jacques Rousseau.

[21] “O direito político ainda está por nascer, e pode-se presumir que não nascerá nunca.
Grotius, o mestre de todos os nossos sábios neste assunto, é apenas uma criança, e, tanto pior,
uma criança de má fé. Quando ouço elevar Grotius às nuvens e cobrir Hobbes de execração,
vejo quantos homens sensatos lêem ou entendem estes dois autores. A verdade é que os seus
princípios são exatamente os mesmos: eles diferem apenas pelas expressões. Eles diferem
também pelo método. Hobbes se apóia em sofismas, Grotius em poetas; todo o resto lhes é
comum. O único moderno capaz de criar esta grande e inútil ciência teria sido o ilustre
Montesquieu. Mas ele não se aventurou em tratar dos princípios do direito político; ele se
contentou em tratar do direito positivo dos governos estabelecidos; e não há nada no mundo
mais diferente do que estes dois estudos.” ROUSSEAU, J.J. Émile. Livro V.

[22] ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social. Livro IV, 9, Conclusão.

[23] ROUSSEAU, J.J. Confessions. Livro IX.

[24] NASCIMENTO, M.M. “Reivindicar direitos segundo Rousseau”.


[25] “O que o homem perde com o contrato social é a sua liberdade natural e um direito
ilimitado a tudo que o tenta e que ele pode atingir; o que ele ganha é a liberdade civil e a
propriedade de tudo o que ele possui. Para não se enganar nestas compensações, é preciso fazer
a distinção entre a liberdade natural, que tem por limite apenas as forças do indivíduo, da
liberdade civil que é limitada pela vontade geral, e a posse que é apenas uma conseqüência da
força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade que só pode ser fundada com base num
título positivo. ROUSSEAU, J.J. Du Contrat Social. Livro I, cap. VIII.

[26] “Il faudrait des dieux pour donner des lois aux hommes.” ROUSSEAU, J.J. Du Contrat
Social. Livro II, cap. VII.

[27] “Le législateur est à tous égards um homme extraordinaire dans l’État.” ROUSSEAU, J.J.
Du Contrat Social. Livro II, cap. VII.

[28] NASCIMENTO, M.M. “Reivindicar direitos segundo Rousseau”.

[29] NASCIMENTO, M.M. “Reivindicar direitos segundo Rousseau”.

[30] “Cada um de nós coloca em comum a sua pessoa e todo o seu poder sob a direção
suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível
do todo.” ROUSSEAU, J.J. Du Contrat Social, Livro I, cap. 6.

[31] Citado em PEZILLO, L. Rousseau et le Contrat Social.

[32] DUROZOI, G. ROUSSEL, A. Dictionnaire de Philosophie. Paris, Nathan, 1997.

[33] KANT, I. Para a paz perpétua. Citado em DENT, N.J.H. Dicionário Rousseau.

[34] “Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto
mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado sobre
mim e a lei moral em mim. Não as hei de procurar e simplesmente presumir a ambas como
envoltas em obscuridades ou no transcendente, fora do meu horizonte; vejo-as perante mim e
religo-as imediatamente com a consciência da minha existência.” KANT, I. Crítica da razão
prática. Conclusão.

[35] KANT, I. Observations on the Feeling of the Beautiful and Sublime. Citado em BEISER,
F.C. “Kant’s intellectual development: 1746-1781”.

[36] KANT, I. Metaphysik der Sitten. Rechtslehre. Citado em TERRA, R.R. A Política Tensa.
São Paulo, Iluminuras, 1995.

[37] KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Segunda Seção.

[38] KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Segunda Seção.

You might also like