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FERNANDO COCCHIARALE Curador SOBRE A RELACAO, ENTRE ARTE E PALAVRA (O OLHAR E A EXPLICACAO) Parte consideravel do publico leigo considera a arte contempo- ranea algo de dificil compreensao. Espera da explicagao verbal do critico de arte, do curador ou do préprio artista o esclarecimento do sentido dessas obras, como se seus sighificados s6 pudessem ser apreendidos apenas por meio da palavra escrita ou falada. Accrenga absoluta no poder esclarecedor da palavra, quando se manifesta no campo da visualidade, cria freqiientemente uma inversdo: © publico ao invés de procurar o significado da obra nela propria (a par- tir do que vé), espera da palavra alheia do especialista uma explicagao de seu sentido postico. Em carta escrita em 1929 para Leo Ferrero (“Leonardo ¢ 03 filéso- fos"), Paul Valéry problematiza a tensa relagdo entre arte e palavra: "Nao se pode resumir um poema como se resume [...] um ‘universo’. Resumir uma tese é reter-lhe essencial. Resumir (ou substituir por um esquema) uma obra de arte é perder-lhe 0 essencial. Vé-se 0 quanto essa cir- cunstancia (se se compreender seu alcance) torna ilusdria a andlise do esteta”.’ O discurso verbal, no entanto, nem sempre funcionou como chave de ignico do sentido de uma obra de arte. Na Idade Média, periodo no qual a maioria da populacao era analfabeta, a arte religiosa ajudou, por meio de imagens e da ilustrago de temas do novo testamento, a fixar no imaginario dessa populagao a narrativa biblica que ndo podia ler. A arte (imagem) entao, ao contrario das expectativas da atualidade, substituia a palavra escrita. Se para a compreensio histérica ou filoséfica da arte o discurso tedrico é certamente indispensavel, o mesmo n&o se pode dizer quando tratamos de obras especificas. Tanto as explicagdes didaticas como os textos criticos, por complexos ¢ sofisticados que sejam, padecem de limitagdes crénicas. Nao podem substituir a riqueza do contato direto com as obras reais, concretas. Tudo 0 que delas se possa dizer estard sempre aquém do sentido silencioso, ambiguo e plural que as caracte- rizam. Ainda assim, desde o madernismo até a mais recente produg3o contemporanea, a arte nunca dependeu tanto de um acordo entre o que vernos e © que lemos (ouvimos) a seu respeito. A origem e 0 signi- ficado dessa dependéncia histérica sio no s6 conhecidos, como bem caracterizados. Na segunda metade do século xvi, o século das Luzes ou iluminista,’ a relacao entre arte e palavra passa a ser indissocidvel. Nessa época surge! primeiras disciplinas tedricas permanentes sobre a arte. Seus fundadores principais representantes foram Johann Joachim Winckel- mann (1717-1768), pensador alemao, que langou as bases da Histéria da Arte como disciplina independente; Denis Diderot (1713 -1784), editor da Encyclopédie* que, gracas as criti wveu para os Salons da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura, pode ser considerado um pioneiro da critica de arte; e os alemaes Alexander Baumgarten (1714-1762), que usou pela primeira vez 0 termo estética para desig- nar a reflexao filosofica sobre a arte, e Gotthold Ehphram Lessing (1729 ~1781), autor de Laocoonte (1766), obra que teve grande influéncia no pensamento alemao da época e no Romantismo; finalmente, Immanuel Kant (1724 -1804), maior filésofo do século xvii, autor da Critica da facul- dade de julgar,* na qual investiga as possibilidades de fundamentar em bases objetivas 0 juizo estético. As conseqiiéncias tedrico-praticas imediatas dos ideais iluministas na arte serdo: sua separacdo radical do artesanato; a diferenciagao dia- metralmente oposta das fungdes do artista e do artesao; e aquela que supervalorizou os prazeres especiais, refinados (arte), em detrimento dos prazeres comuns, proporcionados pela vida cotidiana (artesanato), distingdes conceituais e culturais até entao impensaveis. Segundo o historiador americano Larry Shiner, autor do livro A invengao da arte, uma histéria cultural, se tomarmos a tradi¢do greco- romana veremos que A idéia de que os ideais e as praticas modernas a

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